Responsabilidade civil por dano ao meio ambiente

  1. ENZWEILER, ROMANO JOSÉ
Dirigida por:
  1. Pedro José Femenía López Director
  2. Orlando Luiz Zanon Junior Codirector/a

Universidad de defensa: Universitat d'Alacant / Universidad de Alicante

Fecha de defensa: 09 de diciembre de 2019

Tribunal:
  1. Orlando Luiz Zanon Junior Presidente/a
  2. Pedro José Femenía López Secretario
  3. Gilson Jacobsen Vocal
  4. Francisco José Rodrigues de Oliveira Neto Vocal
  5. Pedro Manoel Abreu Vocal
Departamento:
  1. DERECHO CIVIL

Tipo: Tesis

Teseo: 609097 DIALNET lock_openRUA editor

Resumen

Objetivo investigatório da presente Tese de Doutorado consiste em analisar a aptidão das técnicas da probabilidade (pelo viés da perda da chance) e da possibilidade (a partir da lógica fuzzy) à ressarcibilidade civil mais eficaz do dano ambiental, com a aplicação da singular causalidade precaucional-ambiental-possibilística qualificada pela lógica difusa. O objetivo institucional do texto, lado outro, é a obtenção do título de Doutor em Ciência Jurídica pelo Curso de Doutorado em Ciência Jurídica – CDCJ – vinculado ao Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Ciência Jurídica – CPCJ – da Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI. Como justificativa de pesquisa destaca-se a percepção do esgotamento da racionalidade do sistema jurídico, o que se caracteriza pela (mas não só ) dispersão de interesses, assimetria cultural e, no caso brasileiro em particular, pela marcante estratificação social. Além da inadequação da estrutura normativa às novas formas de riqueza , experimenta-se, no que aqui interessa, a aparente disfuncionalidade dos mecanismos legais destinados à efetiva responsabilização civil daqueles que causam prejuízos ou danos a outrem, assim especialmente no que respeita à danosidade ambiental , sabidamente difusa, por vezes de difícil caracterização, nomeadamente quanto ao dano e à prova do nexo de causalidade. Em que pese a qualidade e abrangência do texto constitucional no particular , e das várias leis (materiais e processuais) sobre o tema, formando uma espécie de microssistema legislativo-ambiental, o fato concreto é que a efetiva responsabilização dos ecolesantes mostra-se ainda distante, até porque vem o direito difuso estruturado a partir da “transindividualidade real ou essencial ampla, indeterminação de seus sujeitos, indivisibilidade e indisponibilidade, vínculo apenas fático a unir os sujeitos, ausência de unanimidade social (o que os diferencia do interesse público) e ressarcibilidade indireta”. Como dito pela boa doutrina, “a proteção do meio ambiente é informada por uma série de princípios que a diferenciam da vala comum dos conflitos humanos” , possuindo ele (o meio ambiente) inegável dimensão intergeracional, falando-se mesmo por isso na mudança do eixo dos direitos e interesses calcados no antropocentrismo para algo com pretensões holísticas. Assim, por exemplo, comentam alguns estar-se formando um verdadeiro Estado Socioambiental fundado no ecocentrismo . Assim, dada a importância original que assumiu o direito ambiental em razão da emergência da vida, há ainda muito a pesquisar sobre as possibilidades do direito responsabilizatório como auxiliar ativo na preservação ambiental. Estudar e propor métodos não convencionais para a abordagem da causalidade e da danosidade ambiental, como a probabilidade (perda da chance) e a possibilidade (lógica fuzzy), é este o desenho da tese agora apresentada. Diante da sofisticação dos instrumentos de destruição do meio ambiente e da repetida defraudação dos usuais mecanismos de controle, como sucedeu, por exemplo, no episódio envolvendo o ludíbrio dos softwares destinados ao teste de emissão veicular , tem-se como inadiável o repensar dos conceitos de dano e nexo causal, a fim de emprestar efetividade à proteção ambiental em tempos de incertezas e vaguidades. Vale registrar a inexistência, seja na literatura ou na jurisprudência brasileiras, de qualquer referência explícita à aplicação da teoria da possibilidade à luz da lógica fuzzy à responsabilidade civil-ambiental. Quanto à estrutura, encontra-se o texto organizado em quatro capítulos que se articulam claramente. No primeiro, cuida-se de apresentar a causalidade probabilística, exemplificando-a com a teoria da perda de uma chance. No segundo, passa-se à análise de uma assim denominada causalidade possibilística, veiculada pela lógica difusa. No terceiro, investiga-se o dano ambiental, sua inegável fundamentalidade normativa, apresentando-se os métodos responsabilizatórios tradicionais e a oportunidade de criação de um sistema jurídico específico de resposta (precaucional) à danosidade ambiental. No quarto, reúnem-se os elementos dos dois primeiros capítulos (causalidades probabilísticas e possibilísticas) com o conteúdo ambiental. De efeito, na primeira parte do texto promoveu-se a investigação do direito de danos e análise da evolução da responsabilidade civil, vinculando o tema às modificações tecnológicas, sobretudo naquilo que se refere à criação das diversas teorias do risco. Múltiplas e variadas são as possibilidades de composição sistêmico-responsabilizatórias, prendendo-se a questão, precipuamente, ao dimensionamento dos elementos ressarcitórios, especialmente do dano, da causalidade e do acertamento da distribuição do ônus probatório. Causalidade probabilística, responsabilidade objetiva agravada, chance perdida, responsabilidade independente de nexo causal, dano existencial, dano pela perda de tempo útil, dano pela perda ou abalo ao projeto de vida e outras tantas locuções singulares acabaram por incorporar-se ao léxico responsabilizatório no final do século passado e início deste, patenteando a dinamicidade da matéria. Em razão das lacunas percebidas na organização promovida pelo legislador, fez-se necessário implementar novas paletas ressarcitórias, hauridas do próprio sistema, a fim de não permitir o eventual enriquecimento sem causa do lesante e, mais ainda, para evitar ficasse a vítima sem reparação, o que feriria o princípio da justiça social. Assim é que, “no domínio da responsabilidade extracontratual a evolução implica o surgimento de uma responsabilidade objectiva, pelo risco”. Trata-se de uma visão de direito tendencialmente mais estendida e, concomitantemente, mais particularista que o direito clássico, fulcrada nos princípios gerais e conceitos de textura alongada, fornecendo maior e mais rápida capacidade adaptativa ao Direito, sem necessariamente intervir de forma direta noutros sistemas sociais. A reconfiguração do direito de danos transita agora pela ampliação das hipóteses ressarcitórias, surgindo daí várias teorias orientadas a albergar a proteção do lesado. Faz parte a perda da chance, então e precisamente, do catálogo das técnicas destinadas ao aprimoramento da intensidade ressarcitória. No segundo capítulo é discutida a insuficiência do sistema binário (lícito/ilícito), tão caro e útil ao Direito por permitir a definição de padrões (e emprestar segurança às relações sociais) para captar as incertezas da realidade na atual sociedade complexa. E esse redesenho da arquitetura jurídica parece já ter ocorrido, por exemplo, quando do enfrentamento dos crimes financeiros em escala global, com a adaptação dos clássicos conceitos de prova, processo e delito no campo do direito penal econômico, a fim de alcançar crimes que escapavam da malha legal convencional. Danos ambientais, todavia, permanecem em alguma parte sem a devida solução, justamente pela ausência de uma teoria que permita abranger as situações de incerteza causal. O expediente utilizado para equacionamento do problema passa pelo estudo da lógica fuzzy e, daí, à sua amarração com a responsabilidade civil, adotando o critério que se convencionou denominar causalidade possível. Restou demonstrado que o estudo das geometrias não-euclidianas permitiu o aparecimento “de lógicas diferentes da clássica; a geometria projetiva contribuiu para que se concebesse a lógica de maneira formal e abstrata; o cantorismo conduziu às axiomatizações da teoria de conjuntos e à formulação das chamadas lógicas abstratas; e a concepção matemática de Poincaré e de outros matemáticos franceses desembocou no construtivismo contemporâneo das lógicas intuicionistas”. As intituladas lógicas não-clássicas , que se podem classificar em complementares e alternativas à clássica, dela se diferenciam por permitirem linguagens mais ricas em formas de expressão, por se poderem basear em princípios inteiramente distintos daqueles elencados por Aristóteles e por admitirem uma semântica distinta. Dentre as espécies de lógica não-clássica interessou ao estudo presente a lógica difusa (lógica fuzzy). Consoante Lanzillotti, “o desenvolvimento da teoria dos conjuntos fuzzy é atribuído a Zadeh, que a define como uma modelagem semelhante à mente humana, tendo uma capacidade notável de lidar com informações incompletas, imprecisas, incertas e ambíguas”. Por trabalhar com o conceito de incerteza, incorporando-o à hipótese decisional e, em decorrência, por utilizar funções de pertinência, contrapõe-se ela à lógica aristotélica. Ao adotar-se a teoria da possibilidade de Zadeh e transportá-la para a seara da responsabilidade civil, entende-se que a técnica da perda de uma chance encontra amparo na parcialidade da certeza (causalidade parcial), enquanto a teoria do nexo causal proposto obtém sua sustentação na possibilidade, a partir da adoção de graus de pertinência, características inerentes à lógica borrosa. No capítulo seguinte, o terceiro, foram discutidas a necessidade e a plausibilidade de se constituir um regime diferenciado de responsabilidade civil à hipótese de dano ambiental. Uma vez evidenciada a ambiência necessária à proteção das vítimas via emprego e aplicação dos direitos sociais, novas técnicas de solução de conflitos coletivos (e não mais apenas intersubjetivos) se mostraram imprescindíveis, em especial no pertinente à danosidade ambiental. Para tanto, um sem-número de mecanismos são mobilizados no sentido de preservar, o mais possível, a ideia medular da ressarcibilidade integral e efetiva do lesado. Dentre esses métodos mereceu destaque a teoria do cúmulo, consistente na admissibilidade inicial de várias fontes normativas para análise e julgamento da causa (dano, nexo de imputação, nexo causal), sendo empregadas as regras mais favoráveis (e só as favoráveis) de cada fonte à parte prejudicada (trabalhador, vítima, consumidor). Trata-se, em síntese pouco refinada, de uma espécie de “mix” normativo, escolhendo o julgador, ao seu talante e com vistas à proteção dos interesses do prejudicado, aqueles dispositivos que entender mais aptos ao desiderato, sem necessariamente observar aspectos sistêmicos ou funcionais; apenas importa que, ao final, a resposta seja a mais favorável possível à vítima. Da mesma forma, tem-se desenvolvido a teoria do conglobamento (ou do conjunto) como método para solução dos conflitos. Nesta, todavia, ao contrário do que se viu naquela (teoria do cúmulo), não se fracionam preceitos ou institutos jurídicos, respeitando-se o conjunto temático. Após o cotejo dos conjuntos, prevalece o diploma que se mostrar, no todo, mais favorável à parte prejudicada (a vítima). Desse modo, poderá o aparato legislativo-ambiental, na sua face civil-indenizatória, servir de forma mais concreta à evitabilidade e à reparabilidade integral do dano ecológico, permitindo-se assim, inclusive, a “flexibilização do entendimento da causalidade, de maneira tal que resulte completamente possível, como sucede na atualidade, abandonar a lógica da certeza e entrar no plano da probabilidade” ou da possibilidade, como defendido. A incerteza e o desconhecimento ínsito que cercam os eventos aleatórios constituem indicativos da incapacidade de resposta efetiva à conflituosidade ecológica pela abordagem ressarcitória tradicional, sendo um dos caminhos possíveis à responsabilidade civil pós-contemporânea a aplicação da técnica do conglobamento. Em sintonia oportuna, repisa-se que a responsabilidade civil, uma vez adequadamente aparelhada com a nova tecnologia jurídica e modernizada para enquadramento dos fenômenos relativos à danosidade difusa, poderá ser de grande utilidade, mesmo que coadjuvante, à preservação, restauração e proteção ambientais. No quarto e derradeiro capítulo, retomam-se tópicos tais quais a existência de novos danos ressarcíveis e o prolongar causal envolvendo a preservação do meio ambiente, bem coletivo intangível, cujo valor se mostra inestimável justamente pela impossibilidade de substituição e absoluta imprescindibilidade à vida humana. É na causalidade que se encontra o calcanhar de aquiles da responsabilidade civil pelo dano ambiental. Afinal, “a degradação usualmente é fruto de comportamentos cumulativos, que operam a longo termo. O nexo causal é ainda enfraquecido pela distância entre o fato gerador e a manifestação do dano ambiental”. O problema vem agravado pela infindável discussão relacionada à sujeição passiva – pluralidade de agentes –, cujos reflexos se fazem sentir na análise da causalidade. A proposta de responsabilização ambiental, desta forma, passa pela admissão da perda da chance e pela causalidade-ambiental-possibilística qualificada pela lógica fuzzy, sempre tendo presente a necessidade de evitar-se o dano (função preventiva da responsabilidade civil acoplada ao princípio da precaução, típico do direito ambiental). Ao cabo e ao fim, apresentam-se as conclusões tiradas da investigação, com resumo do mais significativo e original à contribuição genuína do entendimento do tema. No que se refere à metodologia empregada, sublinha-se que na fase de investigação utilizou-se o método indutivo. Quando do tratamento dos dados, o cartesiano e, no relatório da pesquisa, isto é, no texto que segue, aplicou-se a base lógico-dedutiva. Foram acionadas as técnicas do referente, da categoria, dos conceitos operacionais, da pesquisa bibliográfica e do fichamento. TEMA E SUA DELIMITAÇÃO A observação da acelerada e massiva degradação ambiental, cujos reflexos se fazem sentir, por exemplo, nas significativas mudanças climáticas e na extinção sem precedentes de ecossistemas, parece sugerir que os clássicos mecanismos ressarcitórios pouco têm contribuído para a proteção de nosso patrimônio ecológico. Acreditando que dentre as funções da responsabilidade civil destaca-se, na matéria, a função preventiva, entende-se necessário redimensionar o princípio da precaução, justamente para que o assim chamado direito de danos possa efetivamente servir de auxiliar para a minoração do aviltamento ambiental. Partindo-se, portanto, de uma leitura ambientalista que recebeu dignidade constitucional (art. 225, Constituição Federal da República Federativa do Brasil), estudar-se-á a responsabilidade civil a contar de seus eixos axiais, a saber, pela admissão de novo catálogo de danos e pela reconfiguração do nexo causal. E, no que importa com este último tópico, será investigada a causalidade probabilística e, por fim, a causalidade fulcrada no conceito de possibilidade, tal como justificado na proposta oferecida pela lógica difusa. Assim, o escopo da tese concentra-se no desenho alargado do flabelo responsabilizatório ambiental, admitindo o próprio risco como dano e utilizando a lógica fuzzy como referência à ressignificação (através do conceito de “possibilidade”) do nexo causal. Destaca-se, finalmente, que a proposta aqui urdida harmoniza-se à perfeição à linha de pesquisa desenvolvida pela Universidade de Alicante. JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS (GERAL E ESPECÍFICOS) Vem a sociedade complexa dando mostras do esgotamento da racionalidade do seu sistema jurídico, o que se caracteriza pela (mas não só ) dispersão de interesses, assimetria cultural e, no caso brasileiro em particular, pela marcante estratificação social. Conforme assevera consistente literatura, além da inadequação da estrutura normativa às novas formas de riqueza experimenta-se, no que aqui nos interessa, a aparente disfuncionalidade dos mecanismos legais destinados à efetiva responsabilização civil daqueles que causam prejuízos ou danos a outrem, assim especialmente no que respeita à danosidade ambiental, sabidamente difusa, por vezes de difícil caracterização, nomeadamente quanto à caracterização do dano e à prova do nexo de causalidade. Em que pese a qualidade e abrangência do texto constitucional no particular , e das várias leis (materiais e processuais) sobre o tema, formando uma espécie de microssistema legislativo-ambiental, o fato concreto é que a responsabilização dos lesantes mostra-se ainda distante, até porque vem o direito difuso estruturado a partir da “transindividualidade real ou essencial ampla, indeterminação de seus sujeitos, indivisibilidade e indisponibilidade, vínculo apenas fático a unir os sujeitos, ausência de unanimidade social (o que os diferencia do interesse público) e ressarcibilidade indireta”. Como dito pela boa doutrina, “a proteção do meio ambiente é informada por uma série de princípios que a diferenciam da vala comum dos conflitos humanos” , até porque possui ele (o meio ambiente) uma inegável dimensão intergeracional, falando-se mesmo por isso na mudança do eixo dos direitos e interesses calcados no antropocentrismo para algo com pretensões holísticas, como por exemplo o ecocentrismo , vendo alguns aí a formação de um Estado Socioambiental. Assim, dada a importância singular que assumiu o direito ambiental em razão da emergência da vida, há ainda muito a pesquisar sobre as possibilidades do direito ressarcitório como coadjuvante efetivo na preservação ambiental. Estudar e propor métodos não convencionais para a abordagem da causalidade e da danosidade ambiental, como a probabilidade (perda da chance) e a possibilidade (lógica fuzzy), este o desenho da proposta. A motivo da escolha deste tema se dá em razão da percepção da incapacidade do direito ressarcitório tradicional de alcançar os megalesantes do ambiente, pois em casos de “conflituosidade coletiva”, os agentes agressores/degradadores são, via de regra, verdadeiros repeat playes, isso em razão da sua própria atividade, possuindo estrutura organizacional e condição econômico-financeira suficiente para suportar, por exemplo, os custos de um moroso e dispendioso processo judicial, ao passo que as vítimas “difusas” ou mesmo identificáveis são, normalmente, litigantes eventuais, não possuindo, por isso, qualquer organização capaz de suportar as pressões naturais de uma demanda em juízo nem a violência exercida por outros sistemas (mídia, por exemplo). Os cidadãos “comuns”, neste caso, devem mesmo ser presumivelmente considerados vulneráveis e econômica, técnica e informacionalmente hipossuficientes, em regra, em relação à pessoa jurídica degradadora. Diante da sofisticação dos instrumentos de destruição do meio ambiente e da repetida defraudação dos usuais mecanismos de controle como sucedeu, por exemplo, com o escandaloso episódio envolvendo o ludíbrio dos softwares por famosa fabricante alemã de veículos , com o deliberado propósito de adulterar os limites de emissão de gases tóxicos, tem-se como fundamental o repensar dos conceitos de dano, nexo causal e ilicitude, a fim de emprestar efetividade à proteção ambiental. Vale registrar a inexistência, seja na literatura, seja na jurisprudência, de qualquer referência à aplicação da teoria da possibilidade à luz da lógica fuzzy à responsabilidade civil-ambiental pretendendo-se, pois, confirmar que os métodos propostos podem servir de coadjuvantes efetivos à proteção do meio ambiente, nomeadamente a contar da aplicação destas novas técnicas acopladas à responsabilidade civil. O que se deseja, enfim, é a elaboração de um modelo ressarcitório apto a oferecer respostas às necessidades surgidas com a danosidade ambiental no mundo pós-contemporâneo. O objetivo geral da investigação consiste em analisar a aptidão das técnicas da probabilidade (perda da chance) e da possibilidade (lógica fuzzy) como forma auxiliar na proteção ambiental, especialmente na perspectiva da função preventiva do direito da responsabilidade civil. Os objetivos específicos podem ser assim sumariados: a) caracterizar a evolução da responsabilidade civil na pós-contemporaneidade e a insuficiência das técnicas tradicionais de solução dos casos difíceis (hard cases), como sói ocorrer quando da discussão do problema ambiental (danosidade difusa e protraída no tempo, dificuldade probatória e de caracterização do laço causal, complexidade de identificação dos lesantes e, por vezes, dos próprios lesados); b) analisar a aplicabilidade da técnica da perda da chance como método ressarcitório de danos ambientais, abordando-a pela face da causalidade parcial; c) analisar a estrutura das lógicas clássicas e não-clássicas para, com isso, introduzir o conceito de lógica fuzzy como veículo da técnica ressarcitória de danos ambientais nas hipóteses de conflituosidade coletiva difusa; d) caracterizar dano ambiental, discutindo o risco como o próprio dano. Consigna-se, em arremate, que os estudos realizados na Universidade de Alicante confirmaram a emergência do tema também naquele país (Espanha), inexistindo qualquer alusão, seja na doutrina, seja nos tribunais, à proposta aqui consignada. DEMONSTRAÇÃO DO INEDITISMO E/OU ORIGINALIDADE DA PROPOSTA O ineditismo e originalidade da tese ofertada residem primordialmente, primeiro, na questão travada acerca da relativização do instituto “certeza do direito”, o que se dá, inicialmente, com a aplicação da teoria da perda de uma chance, isto é, a partir da resposta ofertada pela causalidade parcial à dúvida envolvendo a existência do liame causa-efeito, escapando da paradoxal escolha entre o tudo-e-nada, tão própria das teorias clássicas da responsabilidade civil e que se mostraram, ao longo do tempo, incapazes de responder a alguns dilemas da complexidade pós-contemporânea. Já foram desenvolvidos e publicados estudos, é de sublinhar, envolvendo a perda da chance ambiental discutindo, por exemplo, o direito à sadia qualidade de vida das futuras gerações. Porém, mesmo aqui, ainda incipiente se mostra o debate, especialmente pela falta de clareza com que tratadas a autonomia do dano e a parcialidade do nexo causal, não raras vezes abordadas sem a distinção necessária quando não simplesmente desconsideradas. A duas, e aprofundando a polêmica envolvendo o laço causal na questão do meio ambiente, propõe-se a aplicação da lógica difusa para, de maneira singular e lembrando rejeitar ela a lei do terceiro excluído (ao admitir a existência de um valor verdade situado entre qualquer número real entre 0 e 1), introduzir o conceito de possibilidade de Zadeh aplicado no intrincado mundo da inteligência artificial, mas que nos será extremamente útil para escapar ao decisionismo schmittiano (e do arbítrio puro) e, bem assim, em suporte sólido, viabilizar a responsabilização de megapoluidores. Estes os dois principais pilares do absoluto ineditismo da tese proposta. METODOLOGIA O método a ser utilizado na fase de investigação será o indutivo. Na fase de tratamento dos dados será o cartesiano, e, dependendo do resultado das análises, no relatório da pesquisa poderá ser empregada a base indutiva e/ou outra que for a mais indicada. Serão acionadas as técnicas do referente, da categoria, dos conceitos operacionais, da pesquisa bibliográfica e do fichamento. PROBLEMAS E HIPÓTESES O clássico direito da responsabilidade civil mostra-se incapaz de emprestar solução suficiente aos conflitos ambientais, sendo imprescindível a criação e o desenvolvimento de novas plataformas ressarcitórias, mais consentâneas com a importância e a urgência da questão ambiental. O problema que se faz necessário discutir é este: qual o impacto, para a responsabilidade civil, da guinada epistemológica havida em direção à socialização do direito de danos em detrimento das estruturas de garantia dos direitos individuais? O argumento socializante é sincero e vale para acomodar as necessidades originadas da sociedade de risco? O que se deve indenizar? Como compatibilizar a antiga arquitetura do direito positivo e de seus tribunais com as necessidades coletivas decorrentes da complexidade dos tempos atuais? Como pode a responsabilidade civil auxiliar no combate à degradação ambiental? E, mais importante para o fim aqui colimado, mostram-se os mecanismos jurídicos tradicionais relativos à responsabilidade civil suficientemente aptos para cumprir a missão constitucional de preservar, restaurar e proteger o meio ambiente? Com alicerce nestes esclarecimentos iniciais, questiona-se objetivamente: 1. É possível compatibilizar a clássica arquitetura do direito civil ressarcitório às necessidades coletivas decorrentes da complexidade dos tempos atuais, especialmente no que se refere à degradação ambiental? 2. Quais métodos poderiam ser acoplados ao direito da responsabilidade civil a fim de emprestar-lhe maior efetividade na proteção do meio ambiente? Para emprestar adequada dimensão ao comando constitucional relativo à proteção do meio ambiente e, assim, enfrentar a conflituosidade e danosidade coletivas, é imprescindível adotar um “regime diferenciado” de responsabilidade civil pelo dano ambiental. A introdução, dentre as técnicas ressarcitórias, dos modelos denominados perda da chance (probabilidade) e lógica fuzzy (possibilidade) ampliará as alternativas de melhor definição dos nexos de causalidade e imputação, bem como do elemento dano na responsabilidade civil, proporcionando a amplificação das hipóteses indenizatórias e mais efetiva proteção ao bem coletivo ambiental. Capítulo 1 RESPONSABILIDADE CIVIL PELA PERDA DA CHANCE: A PROBABILIDADE Ao longo do século XX e mesmo nos albores da atual centúria, respeitados autores dedicados à investigação do direito de danos habituaram-se a enlear, com acerto, a evolução da responsabilidade civil às modificações tecnológicas, notadamente naquilo que se refere à criação das diversas teorias do risco. O aggiornamento dos institutos encarregados da promoção da reparação do dano injusto verificar-se-ia, também e portanto, pelo emparelhamento do instrumental jurídico com as mudanças na ciência tecnológica. Por isso, quando da apresentação da tilintante narrativa do direito de danos, afirmou Josserand não existir assunto “mais atual, complexo e vivo do que o estudo da responsabilidade aquiliana, centro do Direito Civil, ponto nevrálgico de todas as instituições” sustentando outros, inclusive, não haver no direito civil “matéria mais vasta, mais confusa e de mais difícil sistematização” do que essa. Muito da história da responsabilidade civil, de sua estrutura, evolução e das funções que foi desempenhando ao longo dos tempos, revelam as possibilidades e escolhas societais de antanho. Essas opções, é certo, encontram-se sujeitas a um sem-número de condicionantes (históricos, culturais, políticos, econômicos, éticos, psicológicos) mostrando-se, por isso, contingentes, parciais e relativas. Daí serem múltiplas e variadas as possibilidades de composição sistêmico-responsabilizatórias, prendendo-se a questão, precipuamente, ao dimensionamento dos elementos ressarcitórios, notadamente do dano, da causalidade e do acertamento da distribuição do ônus probatório, como restará aqui mais de uma vez remarcado. O progresso intelectual e técnico-científico fez alterar, após e porém, a percepção quanto à tolerabilidade do dano, passando o prejuízo a ser arcado, primariamente, por aquele que efetivamente o causou. Surge a locução actori incumbit probatio, impondo ao lesado, as mais das vezes e ainda assim, um esmagador handicap, consistente na prova de fatos que lhes escapam por completo, o que equivale a negar-lhe qualquer reparação. Mais tarde, de resto, a preocupação em matéria responsabilizatória migrou do homem isoladamente considerado para o homem coletiva e socialmente analisado, “inserido num mundo cujas fronteiras vão desaparecendo, para o bem e para o mal, por força da rápida e surpreendente capacidade tecnológica de alterar nossos hábitos, nossos direitos e deveres, nossa cultura, enfim, o mundo em que vivemos”. Portanto, a definição de critérios civilizatória e argumentativamente sustentáveis, numa “sociedade altamente complexa, na qual se inviabiliza a adoção de um desejável sistema global de referência – até porque a irracionalidade que o inspira já não o tolera” –, tornou-se um dos desafios mais agudos da disciplina ressarcitória. Causalidade probabilística, responsabilidade objetiva agravada, chance perdida, responsabilidade independentemente de nexo causal, dano existencial, dano pela perda de tempo útil, dano ao projeto de vida e outras tantas locuções singulares acabaram por incorporar-se ao léxico responsabilizatório no final do século passado e início deste, patenteando a dinamicidade da matéria. Dano significa, sem maior rigor, a consequência de um fato lesivo. Pode-se defini-lo, num sentido amplo, como a ofensa ou lesão a um direito ou interesse jurídico. Assim, o simples fato da intromissão ilegítima obriga o autor a cessar sua ação e restabelecer a que foi alterada. Num sentido específico e delimitado, dano implica o vilipêndio de valores econômicos ou patrimoniais. Ou ainda, como destaca Díez-Picazo, fundamentando-se em Larenz, dano é o menoscabo que, em decorrência de um acontecimento ou evento determinado, sofre uma pessoa já em seus bens vitais ou naturais, já em sua propriedade ou em seu patrimônio. Indenizam-se, de igual, danos emergentes e lucros cessantes. Emergente é o dano representado por aquilo que se possuía e que, em razão do ato ilícito praticado pelo lesante, se perdeu significando, enfim, a "efetiva e imediata diminuição no patrimônio da vítima". É ele um dano efetivo por excelência, mesmo quando “futuro”. Registre-se, para as pretensões desta investigação, o momento de apurar a atualidade ou não do dano será o da sentença. Assim, dano futuro indenizável é aquele que ainda não se produziu, mas que aparece desde já como o previsível prolongamento ou agravação de um dano atual, segundo as circunstâncias do caso e experiência da vida (presunções naturais). O demais (a parte que caberá chamar de “dano futuro”) será apurado quando da liquidação da sentença, mas sempre como prolongamento ou agravação do já ocorrido e provado. Constitui-se o lucrum cessans um dano certo quando os ganhos frustrados deveriam ser obtidos pela vítima com suficiente probabilidade, acaso não houvesse o ilícito. Não se trata de mera possibilidade, tampouco de segurança de que efetivamente ocorreria. O critério a utilizar é o meio termo localizado entre esses dois extremos (mera possibilidade/certeza), denominado por alguns de probabilidade objetiva. Outro elemento indenizatório de importância singular – o nexo causal – tem origem no direito penal havendo, por isso, quem ainda confunda causa e culpa. Para efeitos desse pesquisa, causa, em despretensiosa acepção, é o elo vinculante entre o dano e determinada pessoa (em princípio, o lesante). Encontra ela (a causalidade) sua justificativa filosófica no conjunto das condições sine qua non para que esse ser ou acontecer se produza. O primeiro a desenvolver o tema com cientificidade foi Stuart Mill. A expressão “causa” foi por ele definida como “o conjunto de condições tomadas coletivamente aptas a produzir o evento”. Neste sentido, tem-se como “causa” a reunião de fatores ou forças concorrentes geradoras do fenômeno lesivo. Num resumo ainda pouco preciso, causa é condição qualificada e condição, de seu lado, é tudo aquilo que concorre para que o acontecimento se dê. É claro que não se pode simplesmente trasladar essa concepção filosófica de “causa” para o direito de danos pois, se assim fosse, absolutamente tudo poderia ser tomado como “causa” de um prejuízo. “Ao direito, por sua natureza essencial de ordenador normativo da conduta, lhe interessa o ato humano como fonte produtora de danos, considerando somente as condições de ordem física ou natural capazes de modificar ou excluir a imputação jurídica de um evento a uma pessoa determinada”. É inconcusso que a seleção das assim chamadas condições necessárias – as quais se transformarão em “causa” – se dá de forma arbitrária (o que não poderia se dar de modo diferente, aliás). Assim, como se verá, todas as teorias da causalidade partem de uma mesma premissa matricial: a previsibilidade/evitabilidade. O que as difere, em regra, é a eleição daquela condição particular que, para efeitos responsabilizatórios, será considerada “causa”. Em epítome singela, mas proveitosa ao objetivo em mira, pode-se dizer que a previsibilidade causal é avaliada sempre em abstrato, atendendo à normalidade das consequências em si mesmas admitidas (em geral). Já a previsibilidade exigida pela culpabilidade é medida em concreto, tendo em mira ao que era normalmente previsível, tomando em consideração os conhecimentos e aptidões gerais do agente. A reconfiguração das coberturas ressarcitórias fez (re)aparecer a noção de deveres gerais de cuidado e de prevenção os quais, urdidos pelo complexo influxo social, mostram-se como resposta necessária à danosidade de massas. No dizer da boa doutrina, estão-se alargando as zonas “das omissões juridicamente relevantes, através da generalização, a partir de certas previsões legais específicas, dos deveres de prevenção do perigo, ou seja, pela consagração jurisprudencial de uma extensa variedade de deveres de organização, segurança, vigilância, instrução e outras condutas destinadas a controlar o potencial de risco de uma fonte de perigo”. A não observância de tais deveres, por si só, já caracteriza o exercício abusivo do direito, “não sendo necessária a consciência de se excederem, com o seu exercício, os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico do direito; basta que se excedam esses limites”. Reforçando esse entendimento e em razão das lacunas percebidas na organização promovida pelo legislador, fez-se necessário implementar novas paletas ressarcitórias, hauridas do próprio sistema, a fim de não permitir o eventual enriquecimento sem causa do lesante e, mais ainda, para evitar ficasse a vítima sem reparação, o que feriria o princípio da justiça social. Assim é que, “no domínio da responsabilidade extracontratual a evolução implica o surgimento de uma responsabilidade objectiva, pelo risco”. Nesse contexto, mostrou-se imprescindível distanciar-se a responsabilidade do elemento moral, abordando a questão sob novo prisma, a saber, “sob o ponto exclusivo da reparação do dano”, das perdas. Pelo princípio do risco , tomado aqui em suas várias acepções (risco atividade, risco proveito, risco criado , garantia, objetiva agravada etc.), os danos verificados não devem ser suportados pela vítima, mas sim pelo responsável, seja ele (ou não) o efetivo causador do prejuízo (princípio da “causação” ou, ainda, da não tolerância à violação dos direitos), tudo sem se perquirir de dolo ou mesmo de culpa do agente. Demarcada restou, então, a distância entre lesante e responsável. Nas hipóteses de responsabilidade extracontratual, possui o risco a função de redistribuir um dano fortuito segundo variados critérios de conveniência social ou eficiência econômica (deveres de prevenção do perigo). “O apertar das malhas da ilicitude possibilitada pelos deveres de prevenção do perigo facilita obviamente o apuramento do juízo de censura trazido na culpa”. Discute-se, modernamente, se a construção dualista – contrato/delito – da responsabilidade civil satisfaz as novas exigências sociais. Para alguns, entre ambas haveria uma responsabilidade pela (quebra da) confiança destinada a suprir as lacunas de proteção deixadas pela responsabilidade negocial, mas o aprofundamento da questão escapa ao objetivo desta investigação. A socialização do sistema indenizatório – ao menos para a extensão da protetiva ambiental, dentro dos estreitos limites funcionais da técnica – pode ser bem apreciada pela lente do direito responsivo conceituado este, breve trecho, como facilitador das respostas às necessidades sociais, porque orientado à busca de fins concretos (forma finalista). Trata-se de uma visão de direito tendencialmente mais estendida e, concomitantemente, mais particularista que o direito clássico, fulcrada nos princípios gerais e conceitos de textura alongada, fornecendo maior e mais rápida capacidade adaptativa ao Direito, sem necessariamente intervir de forma direta noutros sistemas sociais. A pouco e pouco, repita-se, foi-se operando a mutação (também e preponderantemente jurisprudencial) do direito ressarcitório, focado agora na reparação da vítima com a adoção, por exemplo, da teoria do risco integral, transformando-se numa espécie de instituto de garantia dos lesados. Esse movimento, sublinha-se, possui significativo impacto nas relações sociais, podendo-se falar, em virtude disso, no surgimento de uma blame culture, isto é, de algo que se convencionou designar de “cultura da culpa”, expressão emprestada da ciência da Administração. Como assentado, a reconfiguração do direito de danos transita agora pela ampliação das hipóteses ressarcitórias surgindo, por isso, várias teorias orientadas a albergar a proteção do lesado. Danos intangíveis, como a perda da confiança, incorporaram-se ao rol da indenizabilidade civil, no que se passou a designar de ethereal torts. Situa-se a perda da chance, precisamente, entre o catálogo das técnicas destinadas ao aprimoramento da intensidade ressarcitória, pelo que será necessário, no momento devido, debater com maior profundidade acerca do que entendemos por “certeza do direito”. Por ora, consigna-se tão somente que neste texto a será ela utilizada em sintonia com o nexo causal, o laço de imputação e a existência do próprio dano, tudo sob o paramento da responsabilidade civil. Vale lembrar, por oportuno, que conceitos “são representações da realidade”. Implicam, sempre e por isso, simplificações inevitáveis e, não raras vezes, imperfeitas. Assim precatados, mostra-se oportuno encetar a investigação do instituto em foco pelo estudo da polissêmica expressão “chance”. Possui ela origem francesa significando, regra geral, felicidade, oportunidade e sorte equivalendo, nessa dimensão, à noção de álea ou à expectativa de obter algo ou de deixar de perder o que se tem. E é justamente neste sentido que o conceito de chance vem sendo empregado pela doutrina e tribunais. Conforme restará evidenciado no trabalho final, tem-se a perda da chance por vezes tratada como nova espécie típica de dano e, noutras ocasiões, surge como uso peculiar do nexo de causalidade , o que tem gerado justificado desassossego quando se intenta desnudar sua natureza jurídica. De fato, nalgumas situações específicas, como as que envolvem a atividade profissional médica ou advocatícia, não foi a "culpa" (rectius, a responsabilização subjetiva calcada na culpa do lesante) suficiente para captar determinados fenômenos dos quais pode resultar dano à vítima, o que era frequente nos casos em que necessária a demonstração do desvio da conduta profissional (imperícia, imprudência, negligência). Para a configuração da responsabilização-indenização, não faz muito exigia-se algo que beirava à comprovação impossível, uma verdadeira probatio diabolica, cuja consequência era, sempre ou quase, a não indenização dos lesados, o que contraria a tendência à função protetiva das vítimas desempenhada pelo direito social presente. Um exemplo será útil para melhor compreender o fenômeno da perda de uma chance. Imagine-se um advogado que, por desorganização pessoal, perde o prazo para ingressar com recurso judicial em favor de cliente seu e, como isso, perece definitivamente eventual direito do utente. Vista a questão pela ótica do direito ressarcitório tradicional, nada haveria a indenizar ao cliente, precisamente porque a vantagem almejada com o recurso era de incerta consecução. Levando em consideração a nova fisionomia conquistada pela responsabilidade civil ou, mais precisamente, pelo direito de danos, soaria injustificável escudar-se o profissional faltoso na aleatoriedade do evento e, com isso, ver-se isento de responder pelo sucedido. Porém, por outro lado, mostrar-se-ia também pouco sensato fazer recair sobre o patrono abarbado o ônus integral pelo ocorrido, como se certo fosse o êxito do recurso e seguro o desenlace da ação proposta. Na verdade, a omissão do causídico descuidado impossibilitou saber se, afinal, prosperaria ou não o recurso. Por tal fundamento tem-se afirmado que em face da contingência, quer dizer, diante da presença de interesses aleatórios alegadamente prejudicados, o que se indeniza não é o assim chamado resultado final, mas a própria perda da chance de obtê-lo e, por isso, o valor do ressarcimento há de ser proporcional à probabilidade desperdiçada ou interrompida. Importa, para melhor entender os contornos do tema, reproduzir resumo acerca da aplicação da teoria da perda da chance encontrado na jurisprudência italiana, em muito assemelhada aos julgados brasileiros. Indica uma primeira direção que “a chance indenizável se sustenta na avaliação quantitativa da probabilidade da respectiva materialização, que deve ser superior a 50%". Esta posição vem aparentemente defendida no Brasil por alguns que a importaram justamente da Itália , mas não encontrou eco na jurisprudência nacional. Uma segunda orientação, lastreada nos mesmos pressupostos da primeira, mais flexível, porém, admite "que a probabilidade de concretização da chance se traduza numa percentagem inferior a 50%". Esta posição foi, ao que consta, albergada pelos tribunais brasileiros . Uma terceira posição repudia o aspecto quantitativo da questão, apreciando a probabilidade de materialização da chance em termos qualitativos, pois "bastaria para o efeito uma probabilidade razoável". Por fim, "uma quarta e última orientação tende a afirmar a independência da indemnizabilidade da chance relativamente ao respectivo grau de concretização, o qual não poria em causa o respectivo an, mas teria expressão apenas ao nível do quantum indemnizatório". Daí reconhecer-se constituir a reparação da lesão a interesses aleatórios (como o é a perda da chance) exemplo marcante do eterno dilema havido entre direito e incerteza (contrafatual) , o que se afigura de importância singular ao ressarcimento do dano ambiental, marcado quase sempre pela contingência. Por isso, afirma-se no ponto, ser a probabilidade o critério definidor. Capítulo 2 RESPONSABILIDADE CIVIL À LUZ DA LÓGICA FUZZY: A POSSIBILIDADE Dizem doutrina e jurisprudência configurar-se a segurança jurídica num ideal a ser incansavelmente perseguido . E esse suposto princípio repousa na certeza e previsibilidade que devem presidir as relações sociais como garantia de estabilidade e definição dos horizontes temporais. A expressão certeza “carrega consigo a história dos múltiplos recursos do confiar, do seu resgate e da consequente disponibilidade de referências estáveis para a experiência. (...) Na certeza do direito, os indivíduos buscam o recurso de estabilidade do esperar e do agir”. Tem-se alertado, porém, para a deterioração da “certeza jurídica”, o que se verifica de maneira alarmante, permitindo explicar, ao menos parcialmente, o mal-estar difuso e profundo manifestado pela sociedade frente ao direito e aos órgãos julgadores. Uma das preocupações nascidas com a imprevisibilidade jurídica e a acentuada conflituosidade social, possivelmente esta também decorrente daquela, consiste na desativação das razões pelas quais nos guiamos a partir das regras. Se a decisão judicial é puramente contingente, aleatória, os motivos para obedecer às leis possuem a mesma legitimidade daqueles utilizados para desobedece-las. “Não podem a contingência e o casual justificar a arbitrariedade subjetiva do intérprete”, e por isso se impõe o “proceder metodicamente, [o que] permite que outros possam recapitular e avaliar a obtenção do resultado”. Constitui-se a compulsoriedade numa das vocações primárias do texto normativo, com as decorrentes restrições, isto é, pode-se dizer que, neste campo do saber, “não vale qualquer coisa (anything goes). Leituras muito subjetivas, surpreendentes e alternativas que na literatura e na música podem despertar elogios, no Direito devem ser evitadas para preservar a previsibilidade das decisões e a segurança das expectativas”. Em sistemas complexos e dinâmicos como o que hoje vivemos, o resultado da imprevisibilidade poderá, no limite, tem-se dito, pôr em xeque a credibilidade e respeitabilidade das instituições, gerando acentuada instabilidade às relações sociais. Há indicativos que permitem afirmar a ineficácia do direito positivo frente a situações novas e não padronizáveis pelos modelos vigentes, direito esse que de forma agonizante revela sua disfuncionalidade e “superação burocrática, organizacional e administrativa, e por isso incapaz de decidir de modo coerente, uniforme e previsível, no plano funcional. O resultado inevitável é o aumento dos níveis de incerteza jurídica”. Essa parece ser, de fato, uma percepção sem oponentes, pois foi o aumento da complexidade social e não, como propagavam alguns, “o espetacular incremento do tráfico econômico nas sociedades pós-industriais”, o responsável pelo “aumento vertiginoso da litigiosidade, que fez saturar a capacidade dos tribunais”. O direito, deslocado de seu tempo e aparentemente incapaz de servir aos seus propósitos maiores, ainda busca emprestar concretude à estabilidade das relações e, com isso, reagir aos efeitos deletérios da contingência derivada da complexidade do mundo. Mesmo que não se possa negar a existência de elementos irracionais no processo decisório (inclusive na resolução judicial), “faz sentido esgotar ao máximo as possibilidades da argumentação racional”. Daí nosso propósito de investigar a incerteza na responsabilidade civil. Assim é que o sistema binário (lícito/ilícito), tão caro e útil ao Direito por permitir a definição de padrões (e emprestar segurança às relações sociais) mostra-se, por vezes, insuficiente para captar as incertezas da realidade na atual sociedade complexa. E esse redesenho da arquitetura jurídica parece já ter ocorrido, por exemplo, quando do enfrentamento dos crimes financeiros em escala global, com a adaptação dos clássicos conceitos de prova, processo e delito no campo do direito penal econômico, a fim de alcançar crimes que escapavam da malha legal convencional. Danos ambientais, todavia, permanecem em alguma parte sem o devido ressarcimento, justamente pela ausência de uma teoria que permita abranger as situações de incerteza causal. Este capítulo tem como propósito apresentar, em sucinto, o caminho percorrido pelo conhecimento lógico, até o estudo da lógica fuzzy e, daí, aproveitá-la à responsabilidade civil, adotando o critério que se convencionou denominar causalidade possível. Para tanto, é necessário tracejar, previamente, os fundamentos da lógica clássica pois, como adverte Lourival Vilanova, “se não quisermos reduzir a investigação lógica ao discurso apofântico (à linguagem das proposições verdadeiras ou falsas), pelo menos dele é que se tem de começar para se estabelecer a teoria lógica do discurso”. Conforme afirmava Aristóteles, a lógica é uma ciência do raciocínio, capaz de estabelecer inferências válidas utilizando, para tanto, três princípios (ou leis) fundamentais: identidade, não-contradição e exclusão de terceiro (ou do terceiro excluído, como é mais conhecida). Em despretensioso dizer, pelo princípio da identidade entende-se que todo objeto é idêntico a si mesmo , isto é, identidade significa a relação que cada objeto possui apenas consigo mesmo (“x” sempre será igual a “x”, não se confundindo com nenhum outro). Já pela lei da não-contradição, uma proposição não pode ser verdadeira e falsa ao mesmo tempo ou, ainda, duas proposições contraditórias não podem ser ambas verdadeiras ao mesmo tempo. Tem-se, por fim, o princípio do terceiro excluído, pelo qual toda proposição é verdadeira ou falsa, não havendo outra possibilidade. O irromper das geometrias não-euclidianas , porém, sugeriu “a possibilidade de lógicas diferentes da clássica; a geometria projetiva contribuiu para que se concebesse a lógica de maneira formal e abstrata; o cantorismo conduziu às axiomatizações da teoria de conjuntos e à formulação das chamadas lógicas abstratas; e a concepção matemática de Poincaré e de outros matemáticos franceses desembocou no construtivismo contemporâneo das lógicas intuicionistas”. As intituladas lógicas não-clássicas , que se podem classificar em complementares e alternativas à clássica, dela se diferenciam por permitirem linguagens mais ricas em formas de expressão, por se poderem basear em princípios inteiramente distintos dos três antes enumerados e por admitirem uma semântica distinta. Seriam exemplo representativo da primeira espécie as lógicas deônticas (utilizando operadores do tipo “proibido”, “permitido”, “indiferente” e “obrigatório”) e as lógicas modais (usando operadores como “possibilidade” e “necessidade”). O segundo grupo, o das lógicas alternativas, heterodoxas ou desviantes, antagoniza com a clássica, pretendendo sua substituição em algumas áreas do conhecimento. As desviantes infirmam os princípios básicos da lógica aristotélica, como ocorre com as lógicas paracompletas, nas quais não é válido o princípio do terceiro excluído, a exemplo do que se dá com as lógicas intuicionistas e polivalentes. Nestas, as proposições podem assumir outros valores de verdade entre o verdadeiro (1) e o falso (0). Dentre as espécies de lógica não-clássica interessa, aqui, a lógica difusa (lógica fuzzy). Consoante Lanzillotti, “o desenvolvimento da teoria dos conjuntos fuzzy é atribuído a Zadeh que a define como uma modelagem semelhante à mente humana, tendo uma capacidade notável de lidar com informações incompletas, imprecisas, incertas e ambíguas”. Por trabalhar com o conceito de incerteza, incorporando-o à hipótese decisional e, em decorrência, por utilizar funções de pertinência, como se verá a seguir, contrapõe-se à lógica aristotélica. Sendo a lógica a ciência dos princípios formais normativos do raciocínio, encontra-se ela diferenciada da lógica fuzzy, uma vez que esta se debruça sobre os princípios formais do raciocínio aproximado. Dito claramente, o que se revela nuclear na lógica difusa é sua pretensão de modelar os raciocínios imprecisos, os quais desempenham papel fundamental na capacidade humana de tomada de decisões racionais em um ambiente de incerteza e imprecisão. Esta habilidade depende, então e ainda, de nossa habilidade de inferir uma resposta aproximada a uma pergunta baseada em um conjunto de conhecimento que é inexato, incompleto e não totalmente confiável. Daí a larga utilização, pela fuzzy, dos denominados graus de pertinência. Entre o intervalo 0 (zero) e 1 (um), entre o verdadeiro e o falso, existem outras incontáveis possíveis respostas, mais argumentativamente justificáveis do que o jogo do tudo-ou-nada. O fio condutor desenvolvido por Zadeh parte da discussão seguinte: toda incerteza (que ele afirma ser um atributo da informação) deve ser tratada como uma forma de probabilidade¬? Ou será admitido enfrentar a contingência por meio doutras abordagens? Para o autor, a resposta encontra-se na noção de parcialidade (daí o interesse quando se trata da causalidade parcial), um conceito que possui posição de centralidade na cognição humana. A partir da constatação de que quase tudo é parcial na consciência humana, desenvolve o autor sua ideia de graus de pertinência. Na teoria unificada da incerteza que então apresenta, existem três parcialidades que se destacam em importância: (a) a parcialidade de certeza (probabilidade); (b) a parcialidade da verdade (verity); e (c) a parcialidade da possibilidade, sendo importante notar, como destaca Zadeh, que Leibniz vinculou a probabilidade à possibilidade, definindo-a (a probabilidade) como um grau de possibilidade. Assim sendo, adotando-se a teoria da possibilidade de Zadeh e transportando-a para a seara da responsabilidade civil, entende-se que a técnica da perda de uma chance encontra amparo na parcialidade da certeza (causalidade parcial), enquanto a teoria do nexo causal obtém sua sustentação na possibilidade, a partir da adoção dos graus de pertinência. Capítulo 3 RESPONSABILIDADE CIVIL POR DANO AMBIENTAL Um dos paradoxos do mundo presente reside no fato de ter a democracia de massas reduzido a participação do cidadão-eleitor, quando muito, ao formal ato de votar, esgotando aí sua capacidade de envolvimento e coesão. É, certamente, muito pouco para a efetiva criação de laços de solidariedade social, indispensáveis à manutenção do senso de pertencimento que singulariza a humanidade e faz sentir seus membros incluídos, parte do todo, da sociedade-nação. Por outro lado, e aí a contradição, diz-se que se vive a era dos direitos sociais, “marcada pelo sentimento do entitlement, isto é, pela noção, de cada indivíduo, de estar qualificado para reivindicar uma segurança mínima na vida, um padrão mínimo de conforto”. A questão nodal a ser respondida neste capítulo é esta: será necessário constituir um “regime diferenciado” de responsabilidade civil pelo dano ambiental? A discussão não é nova, constatando Duguit, no início do século XX, que “o ponto de partida de qualquer doutrina relativa ao fundamento do direito deve basear-se, sem dúvida, no homem natural; não aquele ser isolado e livre que pretendiam os filósofos do século XVIII, mas o indivíduo comprometido com os vínculos da solidariedade social”. Agora, e encaminhando resposta à provocação acima indicada, constata-se coabitarem no mesmo espaço e cronologia jurídicos o sentimento individual e a necessidade coletiva com afetação indelével, para o que aqui interessa, da concepção clássica de responsabilidade civil. Nesse imenso cipoal argumentativo, o que se percebe – e ainda se está no caminho das respostas preliminares aos questionamentos atrás formalizados – é o “(re)aparecimento da responsabilidade civil como ingerência jurídica de certo modo atrasada no movimento de proteção ambiental”. Na ainda incipiente atmosfera dos direitos difusos, de concepção marcadamente processual, “mas hoje categoria aplicável a todos os domínios do sistema jurídico, interesses ou direitos difusos são, de modo simplificado, aqueles que têm como titulares grandes parcelas de pessoas não representadas adequadamente por porta-vozes unívocos e individualizados; é nebulosa sua terminologia, que se encontra submersa numa constelação de noções concorrentes”. Vem ele estruturado a partir da “transindividualidade real ou essencial ampla, indeterminação de seus sujeitos, indivisibilidade e indisponibilidade, vínculo apena fático a unir os sujeitos, ausência de unanimidade social (o que os diferencia do interesse público) e ressarcibilidade indireta”. Desnecessário maior esforço argumentativo para concluir, portanto, que o direito ambiental enquadra-se como típico direito coletivo, por atender interesses supraindividuais, mas mesmo aqui, indispensável sublinhar, “o meio ambiente tem, ao lado da perspectiva difusa, repercussões coletivas stricto sensu, individuais homogêneas e mesmo exclusivamente individuais e públicas”. Por tais razões, coerentes e consistentes, abona-se a tese dos que sustentam a favor de um regime ressarcitório diferenciado para atender às especificidades do dano ambiental, até porque “a proteção do meio ambiente é informada por uma série de princípios que a diferenciam da vala comum dos conflitos humanos”. Vale lembrar, mesmo que ligeiramente, que o mais importante e específico princípio atrelado ao meio ambiente é o que se denomina “princípio da precaução”, o qual nasceu da necessidade de se responder às seguintes indagações: “diante da incerteza científica quanto à periculosidade ambiental de uma dada atividade, quem tem o ônus de provar sua inofensividade? (...) Em outras palavras, suspeitando que a atividade traz riscos ao ambiente, (...) deve a intervenção pública ocorrer somente quando o potencial ofensivo tenha sido claramente demonstrado (...), amparado num raciocínio de probabilidades, ou, nos termos do Direito Civil codificado, num regime de previsibilidade adequada?” Por aí se vê, sem necessidade de elaboração mais detida, que os conceitos de “certeza” e “previsibilidade”, tão caros ao direito criminal e civil clássicos, são afastados pelo microssistema do direito ambiental, a fim de conferir-lhe operabilidade e efetividade. Assim posto, pode-se apresentar um quadro analítico simplificado daquilo que se denomina mecanismos para enfrentamento do desafio coletivo ambiental a partir da responsabilização civil na pós-contemporaneidade. Sem aqui aprofundar a exposição, tem-se como possível identificar três fatores definidores da mudança do eixo ressarcitório pro natura: 1. Socialização do direito de danos, com inegável alargamento das hipóteses de proteção estendida da vítima (coletividade), a partir da análise via direito responsivo; 2. Aplicação de novas técnicas de solução de conflitos e 3. Métodos interpretativos não-convencionais para atender demandas de litigiosidade complexa. De fato, muito já se escreveu acima acerca da ampliação das hipóteses ressarcitórias (partindo-se da ideia inicial da culpa como fundante da responsabilização civil, passando pelas presunções (legais e judiciais), inversão do ônus probatório até às teorias do risco), valendo apenas destacar a forte tendência de a responsabilidade objetiva rumar ao conceito de garantia , utilizando-se o legislador, para tanto, de cláusulas gerais e de conceitos vagos e indeterminados para balizar o caminho, deixando ao Juiz a aplicação conscienciosa das técnicas quando da análise e julgamento do caso concreto. A socialização do sistema indenizatório – para os fins aqui perseguidos, isto é, para o alargamento da proteção ambiental, dentro dos estreitos limites funcionais da técnica – pode ser bem apreciada pela lente do direito responsivo conceituado este, breve trecho, como facilitador das respostas às necessidades sociais, porque orientado à busca de fins concretos (forma finalista). Trata-se de uma visão de direito tendencialmente mais exposta e, concomitantemente, mais particularista que o direito clássico, lastreada nos já comentados princípios gerais e conceitos de textura aberta, fornecendo maior e mais rápida capacidade adaptativa ao Direito, sem necessariamente intervir de forma direta noutros sistemas sociais. Uma vez evidenciada a ambiência necessária à proteção das vítimas via emprego e aplicação dos direitos sociais, novas técnicas de solução de conflitos coletivos (e não mais apenas intersubjetivos) se mostraram imprescindíveis, em especial no pertinente à danosidade ambiental. Para tanto, um sem-número de mecanismos são mobilizados no sentido de preservar, o mais possível, a ideia medular da ressarcibilidade integral e efetiva do lesado (a coletividade). Dentre esses métodos, merece destaque a teoria do cúmulo (tomista ou atomista), consistente na admissibilidade inicial de várias fontes normativas para análise e julgamento da causa (dano, nexo de imputação, nexo causal) sendo empregadas as regras mais favoráveis (e só as favoráveis) de cada fonte à parte prejudicada (trabalhador, vítima, consumidor). Trata-se, em síntese pouco refinada, de uma espécie de “mix” normativo, escolhendo o julgador, ao seu talante e com vistas à proteção dos interesses do prejudicado, aqueles dispositivos que entender mais aptos ao desiderato, sem necessariamente observar aspectos sistêmicos ou funcionais, apenas importando que, ao final, a resposta seja a mais favorável possível à vítima. Da mesma forma, tem-se desenvolvido a teoria do conglobamento (ou do conjunto) como método para solução dos conflitos, muito próxima da anterior. Nesta, todavia, ao contrário do que se viu naquela (teoria do cúmulo), não se fracionam preceitos ou institutos jurídicos, respeitando-se o conjunto temático. Após o cotejo dos conjuntos, prevalece o diploma que se mostrar, no todo, mais favorável à parte prejudicada (à vítima). Parece ser este o método utilizado no Brasil para atendimento dos vulneráveis habituais (consumidores e trabalhadores, por exemplo), como também às vítimas de danos ecológicos. Finalmente, tem-se lançado mão do método denominado conglobamento orgânico ou eclético, também conhecido como “teoria intermediária”, muito próxima da anterior, apenas que mitigada, para que não se onere demasiadamente uma das partes (designadamente, o lesante). Desta forma, poderá o aparato legislativo-ambiental na sua face civil-indenizatória servir de forma mais concreta à evitabilidade e à reparabilidade integral do dano ecológico, permitindo-se assim, inclusive, a “flexibilização do entendimento da causalidade, de modo tal que resulte completamente possível, como sucede na atualidade, abandonar a lógica da certeza e entrar no plano da probabilidade” ou da possibilidade, como defendido A incerteza e o desconhecimento ínsito que cercam os eventos aleatórios constituem-se, como visto, indicativos da incapacidade de resposta efetiva à conflituosidade ecológica pela abordagem ressarcitória tradicional, sendo um dos caminhos possíveis à responsabilidade civil pós-contemporânea a aplicação da técnica do conglobamento. Por possuir o tema ambiental – também na sua face reparadora civil – inegável matriz constitucional, parece oportuno relembrar os métodos interpretativos da normativa maior. Listam-se, usualmente, seis métodos de interpretação constitucional: o hermenêutico-clássico, o científico-espiritual, o tópico-problemático, o hermenêutico-concretizador, o normativo-estruturante e o concretista da constituição aberta. Destes, interessam agora o tópico-problemático e o hermenêutico-concretizador, modelos considerados não-convencionais pela doutrina. O primeiro, por sua importância histórica. O segundo, porque aplicado ao tema ambiental na abordagem aqui pretendida. O método tópico-problemático encontra fundamento na tópica (pede-se perdão pela necessária redundância) de Theodor Viehweg , sendo ele o “ponto de partida do preenchimento do grande vácuo deixado pela herança do positivismo lógico-dedutivo”. Dito de maneira singela e sumariada, faz Viehweg uma opção interpretativa de natureza declaradamente prática, na busca da resolução do problema a partir do próprio problema contando, para isso, com a tessitura aberta das normas constitucionais (a Constituição é um sistema aberto de normas, diz ele). Portanto, parte Viehweg do problema para a norma, e não da norma para o problema, aparecendo o texto legal como um dos “topoi”, ao lado de outros. Como método aporético que é, vem utilizado as mais das vezes para exame dos denominados hard cases, os casos difíceis e complexos, na busca de soluções razoáveis (as melhores possíveis, na conjuntura) para o impasse. Vê-se, de pronto, na utilização do método, a possibilidade de incontornável casuísmo, com debilitação da segurança jurídica, certeza e coerência dos julgados porque, aqui, cada problema comporta uma solução (a sua solução). Porém, inegável a utilidade da tese tópica, notadamente quanto ao preenchimento de espaços legislativos (lacunas legais), quando da inexistência de norma para resolução do caso concreto. E não se pode olvidar que, de fato, problemas semelhantes admitem, dadas as circunstâncias de tempo e lugar, por exemplo, respostas judiciais distintas. O método concretizador, de seu lado, não se singulariza pela prevalência do problema sobre a norma, mas também não supervaloriza o texto legal. A escolha do “topoi”, pelo julgador, tem como fronteira a Constituição posicionando-se o concretizador, por isso, para além da tópica, admitindo soluções desvinculadas do texto, com ultrapassagem de seus limites hermenêuticos, daí surgindo a “norma de decisão”. Todavia, na hipótese de colisão entre “realidade” e “norma constitucional”, esta (a Constituição) não deve necessariamente ceder àquela (aqui surge a noção de “força normativa da Constituição”, de que nos fala Hesse). O que importa é a relação contextual estabelecida entre problema e norma, seu condicionamento recíproco. Em boa dose, constitui-se o método concretizador na aplicação da exposição do pensamento de Heck: “não trabalhamos para receber o predicado ‘ciência’, mas antes para servir à vida”. Por isso, importa a tarefa de valoração normativa, de uma “ciência prática do Direito”, atenta “ao seu significado para a vida, para os interesses que encontra e sobre que incide”. Daí que sua “perspectivação semântica é sempre final ou teleológica”, não se satisfazendo com o conceitualismo de uma “mera fórmula linguística”. A “chave” do método concretizador está em observar que o entendimento da norma requer uma pré-compreensão por parte do intérprete/julgador, uma expectativa legítima de sentido que se pode dele aguardar, em razão da também lídima pressuposição de que ele reúne condições intelectuais e informacionais que o gabaritam e habilitam. Por essa razão, mostra-se o método hermenêutico-concretizador adequado ao enfrentamento das questões relacionadas à responsabilidade civil hauridas da danosidade ecológica. Em sintomia oportuna, repisa-se que a responsabilidade civil, uma vez adequadamente aparelhada com a nova tecnologia jurídica e modernizada para enquadramento dos fenômenos relativos à danosidade difusa, poderá ser de grande utilidade, mesmo que coadjuvante, à preservação, restauração e proteção ambientais. O sistema ressarcitório clássico, antropocêntrico por excelência, calcado na culpa do lesante, e mesmo os seus aperfeiçoamentos posteriores, como a presunção de culpa, inversão do ônus da prova e até a responsabilidade objetiva, não lograram alcançar os fenômenos danosos da pós-contemporaneidade, porque estes possuem uma plataforma diversa, difusa, caracterizada por danos causados ao longo do tempo, havendo imensa dificuldade na definição clara da particular contribuição dos agentes à degradação ambiental e, mesmo, de quem seriam as vítimas (presentes e futuras), sem contar a natural intransponibilidade da caracterização do nexo causal e mesmo do dano. Por isso é necessário abrir-se a uma postura ecocêntrica também no que se refere à responsabilização civil, o que implica a assunção das técnicas e métodos aqui colocados: direito responsivo, conglobamento e sistema hermenêutico-concretizador, criando assim um sistema civil-ambiental específico ao combate e prevenção da danosidade ecológica. Capítulo 4 RESPONSABILIDADE POR DANO AMBIENTAL: PARA ALÉM DAS ABORDAGENS TRADICIONAIS Os benfazejos ventos da modernidade permitiram a admissão de novos danos ressarcíveis e o prolongar causal, inaugurando “uma nova tábua axiológica, mais sensível à adoção de uma responsabilidade que, dispensando a culpa, se mostrasse fortemente comprometida com a reparação dos danos em uma perspectiva marcada pela solidariedade social”. É preciso ir além, todavia, quando se trata da discussão envolvendo a preservação do meio ambiente, bem coletivo intangível, cujo valor se mostra inestimável justamente pela impossibilidade de substituição e pela absoluta imprescindibilidade à vida humana. Como constatado pela boa doutrina, “o dano ambiental comporta-se de maneira diferenciada da danosidade comum, projetando em si a própria forma complexa de atuação em “rede” que é uma das marcas do meio ambiente, aspecto esse que tem enorme repercussão no tratamento jurídico do nexo de causalidade. Não raro, deparamo-nos com perguntas do tipo “não seria o mal da vítima congênito ou próprio da vida em sociedade” ” , uma espécie de preço a pagar pela convivência comum? De fato, é no nexo causal que se encontra o “calcanhar de Aquiles” da responsabilidade civil pelo dano ambiental. Afinal, “a degradação usualmente é fruto de comportamentos cumulativos, que operam a longo termo. O nexo causal é ainda enfraquecido pela distância entre o fato gerador e a manifestação do dano ambiental”. O problema vem agravado pela infindável discussão relacionada à sujeição passiva – pluralidade de agentes –, cujos reflexos se fazem sentir na análise da causalidade. Daí entender-se que no subsistema indenizatório-ambiental há de se aplicar a responsabilidade “in solidum” dos corresponsáveis pelo prejuízo, admitindo-a como fato danoso único e indivisível, ligado a um nexo causal comum. Por isso foram aqui propostas as técnicas do ressarcimento ambiental pela perda da chance e pelo nexo causal possível, sempre tendo presente a necessidade de evitar-se o dano (função preventiva da responsabilidade civil acoplada ao princípio da precaução, típico do direito ambiental). Como observado, passa o fio condutor de todas as tentativas de explicação dos fundamentos ressarcitórios aqui propostos, obrigatoriamente, pela discussão acerca da certeza/incerteza do nexo causal. Adotando-se a linha de abordagem sugerida pelas tradicionais escolas do direito de danos, tem-se a impressão de que, no final do percurso, volta-se sempre ao mesmo ponto de partida, numa circularidade despropositada. Interessante tentativa de melhor sistematizar o assunto e harmonizá-lo com as necessidades pós-contemporâneas surgiu recentemente quando se percebeu não ser adequado ignorar nem, tampouco, desfazer-se da incerteza para equacionar a resposta possível. A reparação de chances perdidas, por exemplo e na verdade, deve “admitir a álea e incorporá-la à reparação, projetando-a no momento da quantificação da indenização devida”. Para que isso se verifique, mostra-se necessário adotar a incerteza como um fenômeno de natureza contrafatual. A incompatibilidade entre o direito e a incerteza é revelado, assim, pelo cálculo da lesão a interesses aleatórios, mostrando-se o sistema jurídico incapaz de regular o que está além do controle da ação humana. Com efeito, num primeiro momento da evolução reparatória, diante da lesão a interesses contingenciais, por ausência de mecanismos responsabilizatórios eficientes e justificáveis, negava-se à vítima qualquer direito indenizatório. Entendia-se, em suma, não existir nexo causal entre o prejuízo/dano final e a conduta do lesante. Ademais, questionava-se a certeza de ocorrência do próprio prejuízo, uma vez que, como princípio, cabe ao lesado provar ter suportado prejuízo certo, em relação causal com o ato imputado ao lesante (relação entre incerteza do prejuízo e nexo de causalidade). Nenhuma dessas condições (prejuízo (final) certo + relação causal envolvendo ato do lesante e resultado final não atingido) encontra-se presente nas hipóteses de lesão a interesses vinculados a eventos aleatórios. Nesta hipótese, é ignorado o interesse incerto, que resta assemelhado a interesse inexistente recaindo o ônus da prova, por fim, sobre o lesado, em benefício do praticante do ato ilícito. Num segundo átimo evolutivo, deslocou-se o objeto da prova, surgindo então as presunções de fato e de direito, ambas buscando contornar a incerteza. As primeiras (presunções de fato), "consistem em um raciocínio probatório, por meio da constatação de um nexo lógico entre o fato inacessível à prova (objeto inicial de prova 'desconhecido') e o fato acessível (objeto deslocado de prova, 'conhecido')". Aqui, afirma o Magistrado a existência de um fato controverso a partir de elementos indiretos, os quais indicam a probabilidade desse fato. “A presunção de fato é um instrumento concedido ao magistrado para que ele possa superar os limites de sua cognição”. O problema é que a presunção estimula o Magistrado a dissolver a incerteza, ao invés de admiti-la. Desta forma, “ao contrário dos métodos anteriores, a reparação de chances não ignora a incerteza, tampouco almeja eliminá-la. A álea é simplesmente reacomodada dentro da estrutura da responsabilidade: em razão do deslocamento da reparação, a incerteza deixa de ameaçar a existência do prejuízo e passa a interferir em sua quantificação.” Um terceiro passo no esforço de superação do problema relativo à contingência na responsabilidade civil foi então arquitetado pela jurisprudência francesa, desistindo-se de recolocar a vítima da chance perdida no lugar em que deveria estar, e com isso renunciando à regra da reparação. Mostrando-se impossível atestar qual seria a posição do lesado sem a ocorrência do evento danoso que subtraiu sua chance, não há como viabilizar, de maneira minimamente satisfatória, a função reparatória. A teoria da perda da chance reconhece essa limitação e renuncia ao elemento desconhecido, “substituindo-o por outro, bem conhecido no caso em questão: o parâmetro do passado. No lugar de reparar aquilo que “teria sido” (uma reparação impossível), a reparação de chances se volta ao passado, buscando a reposição do que “foi””. O lesado é recolocado, enfim, mas na situação que se encontrava antes da ocorrência do evento danoso que lhe retirou a chance. “Ora, é certo que neste momento pretérito a vítima possuía uma chance. É esta chance, portanto, que lhe será devolvida sob a forma de reparação. Encontrada a certeza, a técnica da reparação recoloca a norma reparadora em seu campo natural de ação. De um lado, a incerteza do prejuízo desaparece: tendo o passado como parâmetro de reparação, o juiz pode afirmar que a chance perdida representa um prejuízo certo sofrido pela vítima. Ele (juiz) pode afirmar também que o fato imputável ao demandante é uma causa do prejuízo em questão”. Desta forma, o nexo causal eleito não se dá entre o fato (comissivo ou omissivo) praticado pelo réu e a perda da vantagem (resultado final), mas entre esse fato e a chance perdida, pois sem essa intervenção do lesante, teria a vítima a oportunidade (chance) de obter o resultado (final). Repisando o quanto preciso, para a abordagem conceitual da certeza, valemo-nos do seu oposto, isto é, da incerteza que, no contexto agora adotado, tem a ver com a imprecisão do que juridicamente se “é”. Não saber que sujeito de direito se é, não ser capaz de definir o próprio “status” jurídico, não conseguir delimitar o conteúdo e os limites dos direitos e obrigações são todas situações que configuram um estado de incerteza. Assim, a certeza (e a incerteza) cuja análise está sendo aqui proposta não é apenas aquela derivada da lei (fonte legislativa), mas também a gerada pela atividade judicial , pretendendo-se verificar como se opera, em seus diversos matizes, a contranitência do direito à contingência do mundo. A necessidade atávica de segurança (confiança, certeza, estabilidade) nas relações humanas exigiu do subsistema legal a criação de mecanismos tendentes à invariabilidade e previsibilidade das condutas, na expectativa de prolongamento de nosso espaço temporal, como já referido. Nesta perspectiva, encontrava-se o direito limitado por uma espécie de função lenitiva, de alívio à aflição decorrente da própria existência e, pois, em essência, do seu fim incognoscível. A denominada teoria tradicional, resultante das respostas às agitações havidas no final do Império Romano, acabou por fundar uma “ordem cosmológica do mundo centrada na figura de um ente sobrenatural – Deus –, ‘que condicionava a existência do homem, determinava seu comportamento e perante o qual nos sentíamos tanto obrigados quanto totalmente dependentes’”. E esse centro transcendental de certeza, instituído metafisicamente, se tornara operacionalmente possível somente em sociedades de baixa complexidade . Portanto, quando das inovações científicas que revolucionaram o conhecimento do período, mostrou ela sua fragilidade e incapacidade regulatória. O modelo da certeza transcendental, se não criado, restou ao menos apropriado pelos interesses da autoridade religiosa da época, o que impedia qualquer discussão acerca de sua existência, preservando o poder instalado. Mas essa certeza pressupunha, obrigatoriamente, a imutabilidade absoluta, porque verdade revelada. Conforme a boa ensinança, “as teorias tradicionais da certeza do direito se fundamentam em premissas metafísicas, desconsiderando o aumento crescente de complexidade adquirida pelas operações jurídicas”. A ruína do centro transcendental de certeza implicou a singularização e especialização de todas as funções sociais, significando a “aquisição de autonomia das práticas jurídicas, econômicas, políticas, educacionais, científicas etc. em relação à fonte religiosa do mundo”. Surge “aquela que seria a principal característica da sociedade moderna: a diferenciação funcional. Cada uma destas unidades é um subsistema social diferenciado funcionalmente”. Então, “se cada âmbito tem a sua certeza, o todo social torna-se incerto”. Desta feita, “reconhecer a incerteza seria admitir a incapacidade de controle da dimensão temporal e abandonar o telos moral da certeza”. Um novo centro de certeza é então urdido. Surge o racionalismo, este “sistema filosófico formado no início da modernidade” o qual, “em vez de aceitar as transformações sociais e procurar compreender a incerteza como realidade da nova ordem, pretendeu responder à insegurança e a desilusão descritas pelo ceticismo”, pretendendo assim controlar e reprimir a contingência e a complexidade, assumindo que a sociedade é um todo unitário. O centro de certeza, agora, “dirige as possibilidades sociais” e, “nesse contexto, é inventada a razão” , passando-se “do jusnaturalismo divino ao jusracionalismo”. A razão constitui-se na única certeza da humanidade e, no seu rastro, a certeza do direito “é deduzida da certeza da razão. (...) O racionalismo proporcionou a transferência da ideia externa de representação e fundamento da sociedade, anteriormente atribuída a um ente sobrenatural pela metafísica religiosa, para a consciência humana.” Para se ver viabilizado, recorreu o racionalismo à “distinção sujeito/objeto, segundo a qual os eventos são apreendidos por um sujeito racional que os percebe como objetos a serem conhecidos. (...) O surgimento do racionalismo moderno foi uma reação ao estado de incerteza estabelecido pela fragmentação do centro transcendental de certeza”. Como se vê, mesmo rompendo com a metafísica medieval, preservou o racionalismo similar forma daquela, isto é, para explicar e justificar as estruturas vigentes, manteve a ideia nuclear fulcrada num “centro de certeza”, buscando manter o controle da sociedade. Contrariando o legado cartesiano, apresentou-se o construtivismo radical, pontificando “a inevitabilidade da complexidade no mundo e a incerteza como principal característica do conhecimento moderno. (...) Seu objetivo é demonstrar que o processo de cognição não conhece a realidade existente, mas a inventa”. Para explicar os postulados do construtivismo radical, invocam seus patrocinadores o princípio da incerteza de Heisenberg , procurando nas ciências matemática e física reforço argumentativo para densificar suas proposições . Advogam que “o conhecimento sobre o mundo é, na verdade, conhecimento sobre o observador, e a cognição do objeto, cognição sobre si mesmo”. Em conclusão, inexiste “diferença constitutiva entre sujeito e objeto, uma vez que os dois participam da mesma base operativa”. Partem os construtivistas do pressuposto da imprescindibilidade da “substituição da distinção sujeito/objeto pela distinção operação/observação”. Não se procura mais eliminar a incerteza, mas “reconhece-la como realidade do direito moderno”. E as consequências desta opção, desta mudança na teoria do conhecimento se apresenta particularmente impactante no direito da responsabilidade civil pós-contemporâneo. No contexto deste estudo, e como desdobramento do item anterior, tem-se afirmado que a incerteza judicial se dá pelo fato de os juízes se acreditarem autorizados a invocar livremente os “princípios” (ou melhor, talvez, a empregarem acriticamente “teorias principialistas”), o que significaria a ameaça de sermos arrastados para o fosso de uma casuística do particularismo, eliminando definitivamente a previsibilidade das relações jurídicas. Então, a anunciada “certeza da incerteza do direito” acaba por produzir inevitável “desconfiança quanto aos critérios de inclusão e exclusão na decisão judicial: diante da dualidade do código [lícito/ilícito], há sempre dúvidas quanto à efetivação de uma expectativa normativa. Esta desconfiança pode ser compensada por sistemas parasitários chamados, por Raffaele De Giorgi, de ‘redes de inclusão’”. Parte da discussão reside na definição do limite da discricionariedade judicial , na extensão criativa do que se convencionou denominar “direito judicial”. Entende Laporta, nesse ponto, que os problemas de incerteza que afligem o direito em nossos dias se “agravam porque, aos efeitos negativos que tem ‘a compulsão à criação incessante de normas jurídicas’ em termos de produção de ‘casos difíceis’, se une uma compulsão adicional à exagerada apelação aos princípios como algo distinto das regras”. O tema ainda aberto a enfrentar é este: haverá legitimidade abundante a justificar decisões desiguais, mas contemporâneas e discutidas sob as mesas bases materiais (geográfica, histórico-cultural etc.), a casos idênticos? É correto dizer-se que duas ou mais decisões são igualmente válidas e autênticas para a resolução da mesma hipótese fática? E, numa perspectiva mais consentânea com a abordagem da responsabilidade civil aqui estudada, como são eleitos os juízos causais dentro de uma classe de condicionantes que incluem ingredientes contrafatuais? E, enfim, para erigir a condicionante em causa é necessário que se trate de um elemento que complete um conjunto suficiente para o resultado? CONCLUSÕES O momento conclusivo proporciona sentimentos contraditórios de regozijo e apreensão. O primeiro, por significar a oportunidade de compartilhar anos de estudo e construção de ideias. O segundo, por temer que a síntese eventualmente imperfeita empobreça conceitos e abstrações, empalidecendo reflexão e esforço. Esta é uma tese que investiga o direito ambiental. Também anatomiza, e muito, a responsabilidade civil. E o faz optando por abordar o diálogo entre ambos, ambiente e responsabilidade, através de uma ótica singular. Na verdade, por duas: a probabilidade (tomando de empréstimo as noções de perda de oportunidade) e a possibilidade (buscando em Zadeh a justificativa dogmática para a controlabilidade decisional, para inferências e definição dos graus de pertinência). Mas não só. O percurso inclui mergulhos pelos insondáveis domínios da lógica (tradicional e não convencional, como a paraconsistente) e da estatística, apresentando ligações inimagináveis hauridas da confluência entre geometria euclidiana, filosofia e direito. No percorrer e edificar de todo o trajeto, percebeu-se que a noção de incerteza, assumida em sua forma mais estendida, perpassou boa parte do texto podendo o fenômeno, tão característico de nosso tempo contingente, ser explicado também pelo ruir das velhas identidades essas que, por tantos séculos, estabilizaram o mundo social. A fragmentação do indivíduo moderno e de sua paisagem cultural fez eclodir um processo mais amplo de mudanças, estiolando as regularidades que forneciam ao ser humano uma ancoragem estável. Compreendeu-se no caminho, também, que é a narrativa ambiental a que pode fornecer significado e importância à existência humana, “conectando nossa vida cotidiana com um destino que preexiste a nós e continua existindo após nossa morte”. Por tal razão se diz, de forma quase automática e irrefletida, ser o direito ambiental tão marcadamente intergeracional. Tecnologia é outra expressão que habita incontáveis páginas deste escrito. Para explicar sua extensão e prestígio, pode-se recorrer à conhecida metáfora do relógio. Afirma-se que, desde a sua invenção, no final do século XIII, o relógio mecânico passou a ser visto como síntese de ordem e harmonia do mundo. Por isso a obsessão do direito pelo determinismo, a busca pelo estável, pelo cognoscível, o irrefreável desejo pelo conhecido, mensurável e compreensível. Enfim, o direito ensinado é o resultado do encantamento e da procura pelo que pode ser padronizado. A análise do fenômeno da danosidade ambiental foi cromatizado, neste trabalho, pelo robusto e, por vezes, vulgarizado princípio da dignidade humana, este que inspira um sentir e um operar comuns, no curso de uma existência com dimensão ética, constatada pela percepção da existência do outro, o que remete ao problema da verdade , aqui também explorado, especialmente quando tratado pelo seu viés científico, transitório, à feição de Popper. Verificou-se, no particular, o “potencial destrutivo de uma sociedade que se desenvolve apenas através da equação econômica de ganhos presentes”, o que limita as chances de construir-se uma vida melhor. É possível apurar que as questões éticas que pululam o espaço ecológico têm influenciado enormemente o agir conforme o direito, incentivando a criação de novas técnicas responsabilizatórias, especialmente na sua tendência precaucional. Sem menoscabo ao antropocentrismo que singulariza a vida atual, que bem se pode representar pelo idealismo de Schelling – o homem como o pináculo da natureza, “o ponto máximo onde a realidade toma consciência de si mesma” –, o certo é que do ponto de vista de “nosso saber sobre o mundo natural, essa ideia [hoje] nos faz sorrir”. O universo tesarac e caótico criado pelo homem contemporâneo, influenciado pela profunda revolução identitária que aparentemente ultrapassou a segunda metade do tabuleiro, quer dizer, que alcançou o espaço do incompreensível, está em busca de novos padrões e regularidades que talvez não mais existam. Enfim, quer-se estabilidade e perspectiva de porvir, mas o que se tem é incerteza e fluidez. Assim também se dá com as ciências, inclusive com a ciência jurídica. A responsabilidade civil clássica, sob tais influxos, mostrou suas fraturas estruturais. Organizada para um mundo estável, lento e previsível, desenvolveu-se em torno da noção de culpa, criada para resolver demandas pouco complexas, intersubjetivas, situadas no âmbito individual. Portanto, deixou o direito da responsabilidade civil de atender porções significativas desses “novos danos” , não só porque as relações humanas ficaram mais conflituosas, mas também em razão de ter o ocidente assumido uma postura marcadamente socializante do direito e, portanto, intolerante com a situação da vítima não indenizada. Para fazer frente ao frenesi decorrente, estudou-se na primeira parte da tese a estrutura da responsabilidade civil – dano, violação de um bem jurídico protegido, ato ilícito, nexo de causalidade e nexo de imputação –, apresentando-se o primeiro desses elementos (o dano) como efetivamente medular. O problema enfrentado aqui diz respeito, porém, ao conceito de dano, uma vez que é voz corrente a não indenização do prejuízo meramente aleatório ou hipotético. Situa-se a perda da chance, precisamente, entre o catálogo das técnicas destinadas ao aprimoramento da intensidade ressarcitória, com a particularidade de tratar de eventos aleatórios, dizendo alguns que se trata de teoria que alberga dano novo: a chance perdida. Nesse caminho, viu-se que, diferentemente do que se dá na danosidade comum, há situações nas quais se exige maior delicadeza para perceber a desvalia ressarcível. No caso da oportunidade arruinada, para respeitável corrente doutrinária, o dano não se confunde com o resultado final esperado pela vítima residindo, ao revés, na chance em si mesma considerada. Essa, a oportunidade destruída pelo agir (ou, eventualmente, pelo omitir) do lesante é que configura o dano. A chance indenizável, diz-se por fim, deve ser real e séria. Patenteada, então, a confinidade entre incerteza (risco) e perda da oportunidade. Constatou-se igualmente que a teoria da oportunidade perdida encontra pleno acolhimento em relação à danosidade ambiental, quer se entenda como chance extraviada às gerações atuais, quer se perceba como oportunidade obliterada às gerações futuras. Nestas hipóteses, o fio condutor para a delimitação responsabilizatória reside na probabilidade de o fato atingido pela chance suprimida se concretizar. Daí falar-se em causalidade probabilística. Aqui, via de regra, verificou-se que a responsabilização civil atua ex post facto, entrando em cena sua função mais difundida, que é ressarcir o dano. Para tanto, e nos limites expostos, mostra-se a teoria da chance arruinada bastante apropriada à satisfação (ao menos parcial) do lesado, deslocando-se o objeto da reparação, convertendo-se a incerteza, nos chamados casos contingentes, em elemento da própria reparação. Demonstra o texto, todavia, não admitir a teoria da oportunidade perdida que se resolvam os problemas de prejuízo ambiental pela lente preventiva ou precaucional, quer dizer, não se pode invocar a teoria da perda da chance em prospecção. Falta-lhe fundamento teórico e aplicabilidade prática para tanto. Ao depois e por isso, a fim de alcançar o efeito preventivo-precaucional característico do direito ecológico, revelou a investigação ser necessário guiar-se pelos espinhosos caminhos da causalidade, cuja origem remonta ao direito penal. Sua justificativa filosófica, restou colorido, encontra-se no conjunto das condições sine qua non. Condição e causa foram, portanto, bem distinguidas. “Causa” é uma condição qualificada e “condição”, de seu lado, é tudo aquilo que concorre para que o acontecimento se dê. Ainda na esfera de atuação da teoria da perda da chance verificou-se, consequentemente que, por vezes, o tema desafia não apenas as questões relativas ao alcance da noção de dano, havendo também a contaminação pelo flanco causal, como amiúde ocorre quando em pauta eventual erro médico, ocasião na qual, por exemplo, os fatos se desenrolam até o seu final (morte do paciente), não havendo falar em interrupção abrupta dos acontecimentos por ato do lesante. Nestes casos, parece ocorrer uma discutível partição do nexo causal – em que pese a enorme resistência dos que defendem sua unicidade. A pouco e pouco, introduziu-se no debate a poderosa noção de risco, capaz de objetivar responsabilidades, afastando da controvérsia discussões intermináveis acerca da culpa do lesante, não raras vezes suficiente de determinar a indevida improcedência de demandas e o consequente desprestígio dos órgãos aplicadores da lei. A incerteza e ductilidade peculiares à época atual fizeram com que se precipitasse a prevenção, que deixou de ser uma prevenção de “simples perigos” (conhecidos, previsíveis e, portanto, pertencentes ao campo da probabilidade) para se transformar numa prevenção de riscos (imprevisíveis, impensáveis e, então, alcançados pela teoria da possibilidade, tese axial aqui desenvolvida). A tonalização emprestada pela reconhecida fundamentalidade do direito ambiental veio plasmar a base para a repaginação da tábua valorativa que permeia a responsabilidade civil contemporânea. Disso emergiram novas paletas ressarcitórias, também sob o influxo deste "imperativo social da reparação". Com essa inspiração, e observando a insuficiência dos conhecidos instrumentos jurídicos responsabilizatórios, justificou-se no texto o surgimento de uma “escola jurídica bayesiana”, com forte repercussão no direito da responsabilidade civil e, em particular, na doutrina que adjudica ao instituto ressarcitório uma função preventiva, com a expectativa de evitar danos futuros. A função preventiva, sob a ótica da causalidade, exige que os agentes envolvidos saibam ex ante a decisão que sobre suas ações adotaria um julgador. A fim de densificar o argumento nuclear aqui advogado, que torna centrais as funções preventivas e precaucionais no âmbito da responsabilidade civil ambiental, demonstrou-se a necessidade lógica de abandonar o princípio aristotélico do pensamento válido denominado “terceiro excluído” (os outros dois são o princípio da identidade e o princípio da não-contradição). Por este princípio, não existe meio termo entre os dois valores extremos de verdade e falsidade. Assim, se a expressão não pode ser provada falsa, então ela é considerada verdadeira. Apontou-se, ainda, que a definitividade da equação lícito/ilícito faz parte indissociável do clássico direito de danos, fincando raiz exatamente neste princípio apresentado pelo estagirita, o que o torna impeditivo à adoção de verdades parciais, contingentes, acidentais e, pois e principalmente, obscurece a exequibilidade de medidas que impeçam a ocorrência do dano, aspecto fulcral ao moderno direito ambiental. A precaução, mais sutil do que a prevenção, ocupa-se dos riscos abstratos existentes, precisamente, em contextos de incerteza científica quanto às “informações que envolvam a sua probabilidade de ocorrência futura ou os possíveis efeitos decorrentes de sua concretização”. Para emprestar efetividade ao princípio da precaução e, com isso, evitar a ocorrência do dano “apenas” possível, foi construída solução original, edificada com o auxílio da lógica fuzzy, parte do núcleo duro da pesquisa. De fato, diante de tantas incertezas (envolvendo os lesantes, os lesados, os nexos causais e, por vezes, a própria ocorrência do dano e seus efeitos), foi preciso adotar fundamento lógico capaz de trabalhar com raciocínios aproximados, ocupando-se da ambiguidade e imprecisão em situações de risco de dano potencial (ou dano ambiental futuro). Logo, como a função civil-responsabilizatória-ambiental passou de ressarcitória à preventiva-precaucional viabilizou-se, pela lógica fuzzy, a introdução de um conceito inusual – a causalidade possível –, responsável por induzir juízos aproximativos fundados nas noções de inferência plausível e pertinência, aptas a acerar a aplicação de esquemas precaucionais, imprescindíveis à renovação teórica do extenso conteúdo envolvido no conceito de proteção ambiental. Vale ainda registrar a inexistência, seja na literatura, seja na jurisprudência, de qualquer referência expressa à aplicação da teoria da possibilidade à luz da lógica fuzzy à responsabilidade civil-ambiental. O objetivo geral da investigação, por fim, consistente na análise da aptidão das técnicas da probabilidade (perda da chance) e da possibilidade (lógica fuzzy) como forma auxiliar de proteção ambiental, especialmente na perspectiva das funções preventiva e precaucional do direito da responsabilidade civil, foi exaustivamente explorado na Tese, assim como os objetivos específicos. Neste ponto, após apresentar a linha temporal-evolutiva da responsabilidade civil, demonstrou-se necessitar o direito de danos de ajustes que o habilitem a enfrentar a discussão dos conflitos ambientais (danosidade difusa e protraída no tempo, dificuldade probatória e de caracterização do laço causal, complexidade na identificação dos lesantes e, por vezes, dos próprios lesados). Confirmou-se a plena aplicabilidade da técnica da perda da chance como método ressarcitório de danos ambientais, abordando-a pela face da causalidade parcial. Da mesma forma e na sequência introduziu-se, após análise detalhada da estrutura das lógicas clássicas e não-clássicas, o conceito de lógica fuzzy como mecanismo auxiliar na resposta aos danos ambientais, mas desde que incorporada a função preventiva, rectius, precaucional, à técnica responsabilizatória. No mesmo sentido, respondendo aos questionamentos propostos quando da apresentação do projeto que antecedeu à Tese, conclui-se não ser possível compatibilizar inteiramente a clássica arquitetura do direito civil ressarcitório às necessidades coletivas decorrentes da complexidade dos tempos atuais, especialmente no que se refere à degradação ambiental sendo, de fato e então, imprescindível à efetividade da proteção ambiental abrir-se a uma postura ecocêntrica também no que se refere à responsabilização civil, o que implica a assunção das técnicas e métodos nesta Tese desenvolvidos: direito responsivo, conglobamento e sistema hermenêutico-concretizador. Ao cabo e ao fim, enfatize-se novamente, a precaução qualificada pela lógica fuzzy, centro nervoso da Tese, não nega a incerteza. Pelo contrário, incorpora-a à decisão e mais, reconhece haver sempre uma margem de certeza possível, uma condição inicial para a edificação de um horizonte de verdades concorrentes. Com isso, afasta-se o arbítrio judicial e evita-se uma responsabilidade “meramente suspeita ou presumida”. E é esta, justamente, uma das maiores vantagens da utilização da lógica difusa para a tomada de decisões, isto é, a possibilidade de controle de seu conteúdo a partir da publicidade de suas justificações verdadeiras, e não apenas aparentes. Finalizando, faz muitos anos, antes mesmo da preparação deste texto, um livro em especial chamava a atenção pelo respeito, ousadia, sensibilidade e leveza com que propunha ver a obra de cinco grandes artistas. Para escrever “A grandeza humana”, Fayga Ostrower, como ela própria revela, criou a imagem de um tecido. Na tecelagem, comentava, “os fios longitudinais compõem a urdidura”, os “transversais formam a trama”. Assim, “diziam as antigas tecelãs que a urdidura é o destino que nos é dado, e que a trama é o livre-arbítrio, o conjunto de tudo o que fazemos, a cada dia”. Por isso arrematou, em feliz alegoria: “a vida é um tecido, resultado de nossas heranças com aquilo que escolhemos acrescentar de único e especial”. Esta tese, que se espera não contenha pretensões excessivamente panglossianas, talvez possa contribuir na proteção da urdidura, daquilo que foi emprestado à humanidade e, quem sabe, colaborar para a confecção de uma trama que a dignifique e a resgate dela mesma ao tecer heranças e escolhas possíveis, transformando-a, de fato, em única e especial.